Este romance é uma sátira moralizadora dos costumes da burguesia
média de Lisboa.
Passado
em Lisboa, nesta obra conta-se a história de um casal – Luisa e Jorge – que
vive pacatamente. A ação começa quando Jorge tem que viajar para o Alentejo por
motivos profissionais. Durante a ausência do marido, Luisa é inesperadamente
surpreendida pela visita de Basílio, seu primo e amigo de infância com quem
havia trocado algumas cartas de cariz romântico. Seduzida por este, Luisa acaba
por cair em adultério.
Mas,
Luisa tinha uma criada, Juliana, que, rancorosa e mesquinha, ao descobrir o
segredo dos dois amantes através de uma carta destes, faz chantagem, obrigando
a ama a servi-la como se fosse ela a dona da casa, e exigindo pelo seu silêncio
uma quantia exorbitante. A pobre senhora sujeitou-se a todas as humilhações,
mas não tinha tanto dinheiro. Pediu-o a Basílio, mas este, já entediado das
relações com Luisa e também sem dinheiro, regressa apressadamente para França.
Com
a chegada do marido, a situação complicou-se ainda mais. Luisa começa a ficar doente,
abatida e sem apetite, facto que preocupa e indigna Jorge.
Luisa,
já desesperada, numa tentativa de solucionar o problema, conta tudo a
Sebastião, um amigo de Jorge que, com a ajuda de um polícia seu conhecido,
consegue tirar a carta das mãos da criada. Esta, assustada pela inesperada
interpelação, sofre um ataque cardíaco e morre. O sucedido enche de alegria
Luisa, que julga ver acabados os seus tormentos.
Mas
o destino não quis que assim fosse. Basílio tinha recebido em França uma carta
de Luisa a pedir-lhe dinheiro, mais uma vez, à qual decide responder muito
tempo depois de a ter recebido. Nela
promete enviar a quantia necessária para calar a criada. Todavia, esta carta
acaba por ser lida por Jorge que, naturalmente, exige explicações à esposa.
Vendo-se
desmascarada, Luisa adoece e não resiste à morte.
Após
a sua morte, Jorge abandona a casa onde haviam vivido.
Algum
tempo depois, Basílio volta a Lisboa e procura a prima. Ao ver a casa fechada,
é informado que esta falecera. Basílio responde com uma indiferença impiedosa à
notícia.
Personagens
Em
O Primo Basílio, onde as personagens têm mais independência,
autenticidade e mais verdade psicológica do que em qualquer dos outros
romances, a sua galeria de tipos divide-se entre os que estimamos, os que
detestamos, os que são grotescos e os que inspiram perdão e piedade:
Luisa
De seu nome completo Luisa Mendonça de Brito Carvalho, era loura,
perfil bonito, com uma pele branca e uma cabeça pequenina. Enquanto solteira
vivia na baixa lisboeta onde namorava o seu primo, Basílio. Casa-se com Jorge
pois Basílio emigrara para o Brasil e Luisa esquecera-o. Jorge proporciona-lhe
uma existência tranquila e aparentemente feliz. Lia muitos romances para passar
o tempo. Quando o marido vai para o Alentejo, em trabalho, por altura do
retorno de Basílio a Lisboa, Luisa não resiste a este conquistador nato e
envolve-se com ele. Quando Jorge descobre a sua traição (já Basílio tinha
partido para Paris) Luisa adoece e, apesar de Jorge a perdoar, morre. Luisa é,
assim, uma burguesa sentimental, desocupada e fútil, vítima das suas leituras,
da ociosidade e da baixeza moral do primo.
Basílio
Basílio Brito é primo de Luisa. Emigrara cedo para o Brasil por
falência da firma em que trabalhava. Depois, foi morar para Paris. "Alto,
delgado, um ar fidalgo, pequeno bigode preto levantado, o olhar atrevido e um
gesto de meter as mãos nos bolsos fazendo tilintar o dinheiro e as
chaves". Namorou com Luisa enquanto jovem. É perverso e cínico. Quando o
seu romance com a prima começa a ser descoberto, regressa a Paris para fugir a
complicações. Um dia, ao voltar a Lisboa encontra a casa de Luisa desabitada e
sabe que ela morrera, afirma: "que ferro! Podia Ter trazido a
Alphonsine". Esta sua exclamação final diz muito do seu carácter.
Jorge
Jorge Carvalho é o marido de Luisa, a protagonista. É funcionário
do Ministério das Obras Públicas como engenheiro de minas. É um burguês pacato
e reservado. "Fora sempre robusto, de hábitos viris. Tinha os dentes
admiráveis de seu pai, os seus ombros fortes. Da mãe herdara a placidez, o
génio manso". Mesmo enquanto jovem, preferia um bom livro às boémias noturnas.
Mantinha uma relação secreta com uma costureira casada, Eufrásia. Dado o seu
temperamento extremamente racional e nada sentimental chamavam-lhe o proseirão burguês. Sempre
impecavelmente vestido e aprumado, era um homem correto. Conheceu Luisa no
Passeio Público e "apaixonara-se pelos seus cabelos louros, pela sua
maneira de andar, pelos seus olhos castanhos muito grandes". O seu
afastamento de Lisboa, por questões profissionais, facilita o adultério da sua
esposa com o primo, Basílio. Ao regressar, Jorge, totalmente alheado da
situação, não compreende as exigências de Juliana, bem como a sua morte pouco
depois, e a doença de Luisa. Contudo, uma carta de Basílio que ele lê
revela-lhe a traição da mulher. Ao confrontá-la com a notícia, provoca o
agravamento do seu estado e a morte, à qual Luisa não resistiu vendo-se
descoberta, apesar de o marido a ter perdoado.
Juliana
Juliana Couceiro Tavira, filha de uma engomadeira, nunca conhecera
o pai. Criada da casa de Luisa e Jorge. Vingativa e oportunista, a sua
aspiração era ter um negócio que a libertasse das tiranias do serviço doméstico
que sofria à vinte anos. A doença fá-la perder as economias que juntara,
aumentando-lhe a revolta e o despeito. Apanha as cartas de Luisa para Basílio,
tentando, com isso, chantagear a patroa. Com o auxílio de Sebastião e de um
polícia Luisa consegue recuperar as cartas e a criada morre de ataque cardíaco.
Tinha quarenta anos, era magra e de feições miúdas; era um pouco amarela devido
à doença do coração. Tinha os olhos grandes e encovados, "usava uma cuia
de retrós, imitando tranças, que lhe fazia a cabeça enorme. Tinha um tique nas
asas do nariz. Tinha um pé pequeno, bonito".
Julião
O médico Julião Zuzarte é parente afastado de Jorge. "Homem
seco e nervoso com lunetas azuis, os cabelos compridos, caídos sobre a
gola". Vive pobremente num 4º andar da baixa de Lisboa, à espera de uma
oportunidade de realização profissional que não chega. Frequenta a casa de
Luisa, é um inadaptado e isolado; um materialista revoltado contra a sociedade
porque se sente desprezado por esta. É ele quem verifica a morte da criada.
Ernestinho
Ernesto Ledesma é uma figura simbólica e caricatural - o representante
da escola romântica. Era primo de Jorge. O diminutivo do nome assenta-lhe muito
bem, pois é pequeno em tudo. Delgado, de membros esqueléticos, cara chupada,
bigode afiado nos cantos, "trazia sapatos de verniz com grandes laços de
fitas, sobre o colete branco, a correia do relógio sustentava um medalhão
enorme, de ouro com frutos e flores esmaltados em relevo". Vivia com uma atrizita
de ginásio. Um pobre letrado, com manias de dramaturgo, que submete a sua peça
à apreciação dos amigos, dando-lhe, por influência das mulheres, um cunho
romântico. Na sua peça está preocupado com o destino da heroína - mulher casada
que ama um conde; o marido desta descobre e, entre amigos, discute-se qual o
final a dar à personagem - se o marido deverá ou não matar a esposa infiel.
Jorge defende acaloradamente a morte da indigna mulher. O autor acaba por se
decidir pelo perdão do marido. Esta peça pressagia o drama de Luisa.
Sebastião
O Sebastiarrão, como lhe
chamavam, é um homem bondoso e tímido. Tocava piano e possuía uma fortuna
considerável. Era baixo e gordo, de pele branca e barba dourada e curta. Olhos
pequenos, azuis .Fica inquieto com o falatório acerca das visitas de Basílio a
Luisa, e procura proteger a sua reputação. Luisa recorre a ele para reaver as
cartas comprometedoras que Juliana apanhara, o que consegue com a ajuda de uma
polícia amigo. É uma das personagens mais humanas da galeria queirosiana.
Leopoldina
Filha única do visconde de Quebrais fez um casamento infeliz com
um empregado da alfândega - João Noronha. Tinha vinte e sete anos, não era alta,
mas bem feita, Usava vestidos colados ao corpo. Tinha pele fina, olhos negros e
pestanudos. Falsa e imoral, mulher fácil, é amiga e confidente de Luisa. A sua
função principal na narrativa é, portanto, destruir os entraves que Luisa punha
em relação à aventura com o primo - é Leopoldina que a encoraja.
Acácio
Conselheiro hipócrita e enfatuado, ridículo e convencido. É o
símbolo do convencionalismo e da respeitabilidade burguesa. Representa o
constitucionalismo e o formalismo oficial. Natural de Lisboa, ex-diretor geral,
fora nomeado conselheiro por carta régia. Os seus gestos eram sempre medidos.
Crítico severo e autor. Não tinha família e habitava o 3º andar da Rua do
Ferragial. Vivia amantizado com uma criada. Ocupava-se da economia política e
era cavaleiro da Ordem de Santiago. Fisicamente, era alto, magro, de rosto
comprido, afilado e calvo, vestia-se habitualmente de preto, "com o
pescoço entalado num colarinho direito".